Brasil tem 4 milhões de pessoas trans e não-binárias; empregabilidade ainda é desafio para o grupo

 Morena Lovateli, trans e acompanhante do Fatal Model, fala sobre preconceitos existentes e explica como o mercado adulto colabora para a busca da livre autenticidade

No Brasil, cerca de 4 milhões de pessoas são transgêneros ou não-binárias. Segundo informações da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), o volume de registros de mudança de nome e gênero aumentou 70% entre 2021 e 2022, passando de 1.863 para 3.165. Mesmo com o avanço social, casos de transfobia ainda são comuns, afastando a comunidade de direitos básicos. Com o intuito de ampliar o debate e o escopo de políticas públicas para o grupo, em 29 de janeiro é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans.

De acordo com o “Projeto Além do Arco-Íris/ AfroReggae”, apenas 0,02% dos transgêneros estão na universidade, 72% não possuem o ensino médio e 56% o ensino fundamental. Outra pesquisa feita pelo Grupo Pela Vidda, no Rio de Janeiro, que entrevistou homens e mulheres transgênero, revelou que metade dos entrevistados alegaram que amigos, professores e familiares são os principais agressores durante a formação. O relatório ainda apontou que apenas 15% dos participantes relataram ter emprego com carteira assinada, enquanto 15,6% possuem trabalho autônomo formal e 27,2% são autônomos informais.

Por outro lado, no mercado adulto, esse cenário se altera. A profissional do sexo e acompanhante do Fatal Model – maior site de acompanhantes do Brasil, Morena Lovateli, afirma que o preconceito é menor: “Dentro de uma empresa, desde a ida ao banheiro até o almoço, era um sacrifício para mim. Passar por um grupo de pessoas e escutar cochichos e alguém rindo era horrível. Dentro da prostituição, você encontra pessoas que te acolhem, que são simples e humildes. Claro que existem pessoas ruins como em qualquer outra área e canto do mundo, mas no mercado adulto posso esbanjar minha autenticidade”.

Além de ser uma fonte de sustento, o setor também pode empoderar o lado feminino de mulheres trans, comenta a acompanhante: “Quando comecei minha transição, quis explorar meu lado de sedução para ver realmente se atrairia os homens. Tudo para alguém afirmar que eu era uma mulher. Isso no início, porque hoje em dia sei que não preciso provar nada a ninguém”.

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal já tinha reconhecido os crimes de homofobia e transfobia como racismo. No mês de agosto, o STF reforçou a proteção às pessoas homossexuais e transexuais, uma vez que pelo 14º ano consecutivo o país foi considerado o que mais mata pessoas trangeneros do mundo. Dessa forma, ofensas diretas contra elas são punidas como injúria racial. Ou seja, quem for responsável por esses atos não terá direito a fiança, nem limite de tempo para responder judicialmente.

Mesmo com o avanço legal, Morena não tem grandes expectativas para a comunidade no futuro: “Acredito que ainda vai demorar alguns anos para  as pessoas pararem de querer saber o porquê de sermos quem somos. Toda vez que saio de dia, não vejo mulheres como eu. Quando vou ao shopping no domingo à tarde, vejo famílias felizes, mas não vejo nenhuma travesti almoçando na praça de alimentação. Imagina você se arrumar pra sair, chegar no lugar e todos os olhares são para você, não importa qual roupa você está usando. É necessário ter muita coragem”. 

A profissional ainda lembra e destaca Erika Hilton, primeira deputada trans do Brasil, “Ela está fazendo história por nós, assim como outras trans e travestis que lutam pela nossa comunidade. Mas é uma luta que cansa, porque precisamos o tempo todo passar por essa afirmação da nossa existência”.