Esta semana os professores de Direito Processual Penal, Ana Paula Couto e Marco Couto, explicam como está sendo o prazo de duração das medidas protetivas.
A Lei 11340/06 – conhecida como Lei Maria da Penha – é reconhecida como um dos mais importantes textos legais que buscam coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. São muito os mecanismos previstos na mencionada lei que estão à disposição dos operadores do Direito, a fim de que se busque realmente conferir uma efetiva proteção à mulher que se encontra em situação de risco.
Temos sustentado em nossos textos que é fundamental uma mudança cultural neste sentido. Não basta que o legislador faça a sua parte. Todos nós – sem exceção – devemos atuar na busca de uma sociedade mais justa e isso inclui, por motivos óbvios, um tratamento digno às mulheres, sobretudo àquelas que sofrem caladas em razão da situação de vulnerabilidade na qual se encontram.
Até nas pequenas atitudes, é imprescindível que se mostre às crianças que não é normal, justo ou legal (no sentido técnico da palavra) permitir que as mulheres sejam vítimas de atitudes machistas, desrespeitosas e preconceituosas. Isso é um trabalho que pode durar anos ou décadas, mas é o somatório dos passos que permite que um corredor complete uma corrida de longa distância.
No texto de hoje, abordaremos um aspecto específico – e muito importante – previsto na Lei Maria da Penha, o qual se refere à duração das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, previstas no art. 22 da Lei 11340/06.
São muitos os mecanismos à disposição dos operadores do Direito, sendo certo que, tão logo noticiada a prática da violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz pode aplicar – de imediato – as medidas protetivas previstas no referido dispositivo. Isso explica porque a implementação de tais medidas ocorre, em geral, de maneira tão rápida. Em muitos casos, tão logo feita a notitia criminis, a autoridade policial encaminha o pedido feito pela ofendida a juízo e o magistrado responsável examina o requerimento no mesmo dia ou nos dias subsequentes, não decorrendo grande lapso temporal entre a ida da vítima à delegacia de polícia e o exame do pedido pelo juiz responsável.
Nesse sentido, o art. 22 da Lei 11340/06 permite a adoção de medidas como a “suspensão da posse ou restrição do porte de arma”, o “afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida”, a “proibição de determinadas condutas” (tais como aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação e frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida), a “restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores”, a “prestação de alimentos”, o “comparecimento a programas de recuperação e reeducação” e o “acompanhamento psicossocial”.
Mas a Lei 11340/06 não fixa o prazo de duração de tais medidas.
Todavia, a jurisprudência revela a existência de casos que apresentam situações verdadeiramente esdrúxulas. No julgamento do Recurso em Habeas Corpus de nº 113.218/AL, as medidas protetivas foram deferidas no dia 30 de abril de 2014, as quais perduraram até que o Superior Tribunal de Justiça as revogou, no dia 05 de dezembro de 2019. Isso mesmo. As medidas protetivas vigeram por mais de 5 anos. Além disso, por incrível que pareça, sequer houve o oferecimento de denúncia em face do suposto agressor. As medidas protetivas foram deferidas nos autos cautelares e foram mantidas mesmo após o arquivamento dos autos principais.
É evidente que o caso acima indicado constitui uma exceção, a qual só existe porque, a rigor, não há dispositivo legal que expressamente preveja o prazo de duração das medidas protetivas. Entretanto, é preciso reconhecer que, em geral, os tribunais apenas autorizam que as medidas protetivas perdurem enquanto revelada a sua efetiva necessidade, adotando-se o princípio da razoabilidade para orientar eventuais prorrogações no prazo de sua vigência. Nesse sentido, dentre muitos julgados do Superior Tribunal de Justiça, podem ser indicados o Recurso em Habeas Corpus de nº 89206/MG, julgado em 07 de agosto de 2018, o Habeas Corpus de nº 343571/MG, julgado em 14 de novembro de 2017, e o Recurso em Habeas Corpus de nº 33259/PI, julgado em 17 de outubro de 2017.
É importante lembrar que os magistrados que atuam nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher, normalmente, fixam um prazo razoável de 90 (noventa) dias no momento em que deferem a aplicação das medidas protetivas. Isso não impede a sua prorrogação, mas é importante que a situação seja reavaliada periodicamente, até porque as relações normalmente trazidas a juízo são bastante dinâmicas, o que torna conveniente que os juízes estejam atentos, seja para revogar as medidas mesmo antes dos 90 (noventa) dias iniciais, seja para prorrogá-las, seja para ajustá-las às circunstâncias do caso concreto.
Não custa lembrar que a Lei 13964/19 – conhecida como Pacote Anticrime – alterou o art. 316 do Código de Processo Penal, incluindo o seu parágrafo único justamente para determinar que os casos de decretação da prisão preventiva sejam reavaliados a cada 90 (noventa) dias, seja para manter o réu preso, seja para revogar a sua prisão preventiva. Nesse panorama, percebe-se a sintonia entre a prática adotada pelos juízes dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher e a novidade legislativa inserida no Código de Processo Penal, revelando-se verdadeiramente razoável a fixação do prazo inicial de 90 (noventa) dias para a vigência das medidas protetivas.
Na nossa ótica, é realmente importante a fixação de um prazo inicial para a vigência das medidas protetivas, até para que os envolvidos programem as suas vidas, adequando-as às novas circunstâncias impostas judicialmente. Da mesma forma, é importante que o juízo no qual tenham curso as medidas protetivas seja informado de qualquer novidade surgida na relação dos envolvidos, para que se possa continuamente avaliar a necessidade e a utilidade das medidas protetivas.
No mundo ideal, não seriam necessárias as medidas protetivas nem a atuação dos juízes que atuam nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher. No mundo ideal, uma relação desgastada deveria encontrar o seu fim de forma civilizada. Mas este é mundo ideal (e não o mundo real).
Por:
Dra. Ana Paula Couto – Advogada. Professora de Direito Processual Penal. Doutoranda e Mestra pela UNESA. Autora de livros jurídicos.
@issoposto
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Dr. Marco Couto – Juiz de Direito. Professor de Direito Processual Penal. Doutorando e Mestre pela UNESA. Autor de livros jurídicos.
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