A chamada Lei Maria da Penha – Lei 11340/06 –, no seu art. 22, apresenta um rol de medidas protetivas, as quais podem ser aplicadas em situações extremas, a fim de proteger os bens jurídicos da mulher, violados ou na iminência de violação, tais como a vida, a integridade corporal, a saúde e a paz.
Embora a mencionada lei não fixe um prazo para a duração das medidas protetivas, é comum os juízes que atuam nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher fixarem um prazo determinado, até para que possam reavaliar a necessidade da implementação de tais medidas.
De fato, é prudente que, no momento da fixação das medidas protetivas, os juízes especifiquem um prazo determinado. Mas nada impede que as medidas protetivas sejam revogadas, ainda no curso do prazo inicialmente fixado, caso advenha um dado novo que convença os juízes da sua desnecessidade. Da mesma forma, nada impede que o prazo inicialmente fixado venha a ser prorrogado, desde que perdure a justificativa mesmo após o decurso do prazo inicial.
Em outras palavras, entendemos que é prudente a fixação de um prazo inicial, o qual pode ser interrompido ou prorrogado de acordo com as informações que cheguem aos autos. Como se trata de uma medida excepcional, a necessidade de sua implementação deve estar em constante avaliação.
Esse panorama de constante avaliação serve para o momento de normalidade, em que o acesso às delegacias de polícia, ao Ministério Público e ao Judiciário é feito com celeridade, o que não ocorre, por motivos óbvios, em um cenário de pandemia. Registre-se que, de fato, ao menos no Rio de Janeiro, tais órgãos têm feito um grande esforço para que a situação das mulheres vítimas continue sendo examinada com rapidez, mas é inegável a existência de uma perda decorrente de todas as complexas circunstâncias relativas à pandemia de COVID 19.
Nesse cenário excepcional, a Lei 14022/20, em vigor desde 8 de julho de 2020, disciplinou diversas matérias e, no seu art. 5º, caput, previu a prorrogação automática das medidas protetivas, sendo oportuna a sua transcrição.
Art. 5º As medidas protetivas deferidas em favor da mulher serão automaticamente prorrogadas e vigorarão durante a vigência da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, ou durante a declaração de estado de emergência de caráter humanitário e sanitário em território nacional, sem prejuízo do disposto no art. 19 e seguintes da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).
Parágrafo único. O juiz competente providenciará a intimação do ofensor, que poderá ser realizada por meios eletrônicos, cientificando-o da prorrogação da medida protetiva.
O mencionado dispositivo buscou manter a proteção das mulheres, passando a prever de forma indeterminada o prazo de duração das medidas protetivas. Isso significa que todas as medidas protetivas vigentes a partir do dia em que entrou em vigor a Lei 14022/20, ou seja, em vigor a partir do dia 8 de julho de 2020, foram prorrogadas, sem que haja uma data definida para o seu término. Tais medidas protetivas perdurarão até que seja revogada a Lei 13979/20 ou até que seja declarado encerrado o estado de emergência de caráter humanitário e sanitário que está em vigor. Ocorrendo qualquer dos dois eventos – a revogação da lei mencionada ou o encerramento do estado de emergência –, as medidas protetivas ficam imediatamente revogadas. A única ressalva diz respeito àquelas medidas protetivas fixadas por tempo determinado cujo prazo final superar a vigência da Lei 13979/20 ou o encerramento do estado de emergência.
Vale exemplificar. Se as medidas protetivas foram deferidas no dia 1 de maio de 2020, sendo fixado o prazo de 90 dias, o seu término ocorreria em 29 de julho de 2020. Mas, como a Lei 14022/20 entrou em vigor no dia 8 de julho de 2020, tais protetivas foram automaticamente prorrogadas por tempo indefinido, estando em vigor atualmente.
Vale outro exemplo. Se as medidas protetivas foram deferidas em 1 de julho de 2020, sendo fixado o prazo de 90 dias, o seu término ocorrerá, em tese, no dia 28 de setembro de 2020. Houve a prorrogação automática quando a Lei 14022/20 entrou em vigor, ou seja, no dia 8 de julho de 2020. Todavia, se a Lei 14022/20 perder a sua aplicação, por exemplo, no dia 20 de setembro de 2020 – seja porque revogada a Lei 13979/20, seja porque declarado encerrado o estado de emergência –, as medidas protetivas continuarão em vigor até o dia 28 de setembro de 2020. Isso porque a Lei 14022/20 busca aumentar a proteção da vítima, e não diminuir a proteção da vítima.
Evidentemente, nada impede que os juízes revoguem, a qualquer momento, as medidas protetivas em vigor por conta da Lei 14022/20, bastando, para tanto, que profiram decisões justificando a desnecessidade das protetivas, seja porque o motivo que ensejou o seu deferimento inicial desapareceu, seja porque vieram novas informações que impõem um novo exame da situação.
É claro que a lei referida não retira dos juízes a autoridade de reavaliar as circunstâncias de cada caso concreto periodicamente, o que, aliás, é sempre recomendável. O objetivo do legislador foi evitar que as mulheres fiquem desamparadas em razão do término do prazo de vigência das medidas protetivas, já que a situação excepcional de pandemia pode inviabilizar ou dificultar a análise de todos os processos.
De toda forma, o art. 5º, parágrafo único, da Lei 14022/20, determina que o ofensor seja cientificado quanto à prorrogação das medidas protetivas, o que pode ser providenciado automaticamente pela serventia responsável pelo processo, inclusive através de meios eletrônicos, tais como e-mail e whatsapp. Essa intimação automática dispensa o reexame dos autos, mas é importante porque o ofensor deve ter ciência da prorrogação, até para que depois não alegue que o desrespeito às medidas protetivas decorreu da sua ignorância quanto ao fato de as mesmas terem sido automaticamente prorrogadas.
Ana Paula Couto – Advogada. Professora de Direito Processual Penal. Doutoranda e Mestra pela UNESA. Autora de livros jurídicos. E-mail: anapaulabmcouto@yahoo.com.br
Marco Couto – Juiz de Direito. Professor de Direito Processual Penal. Doutorando e Mestre pela UNESA. Autor de livros jurídicos. E-mail: mjmcouto@tjrj.jus.br