Hollywood cancela filmes para economizar em impostos

Hollywood sempre foi um terreno fértil para inovações e tendências, tanto na criação de conteúdos quanto nas estratégias empresariais. Nos últimos anos, uma prática controversa tem ganhado destaque: o cancelamento de filmes completos ou quase completos como uma estratégia de economia tributária.

O que antes era um acontecimento raro, agora está se tornando uma ferramenta financeira utilizada por grandes estúdios para reduzir suas obrigações fiscais. Esta tendência chamou a atenção quando a Warner Bros. Discovery arquivou os filmes “Batgirl” e “Coyote vs. Acme”, ambos em estágios avançados de produção, visando obter deduções fiscais significativas.

O contador tributarista, mestre em negócios internacionais e especialista em cultura pop, André Charone, explica essa prática e suas implicações.

A Estratégia Fiscal

Em 2022, a Warner Bros. Discovery, sob a nova administração de David Zaslav, introduziu uma estratégia agressiva de amortização fiscal. Projetos como “Batgirl” e “Coyote vs. Acme”, que estavam em fases avançadas de produção, foram cancelados para que os custos de produção pudessem ser declarados como perdas. Isso permitiu que a empresa reduzisse significativamente sua carga tributária, gerando economias consideráveis. André Charone explica que “essa prática é conhecida no meio corporativo, mas raramente é aplicada de forma tão visível na indústria do entretenimento. Ao cancelar esses projetos, a Warner Bros. pode deduzir os custos de produção como perdas, resultando em uma economia fiscal substancial.”

Essa estratégia fiscal envolve uma avaliação cuidadosa dos custos e dos benefícios potenciais. Ao arquivar um filme, o estúdio pode compensar suas despesas de produção contra seus lucros, reduzindo assim o montante total de impostos devidos. Para grandes corporações como a Warner Bros. Discovery, essas deduções podem representar milhões de dólares em economias. No entanto, essa abordagem não é isenta de riscos. “Embora haja um benefício financeiro imediato, a longo prazo pode haver danos à reputação do estúdio e à confiança dos investidores,” alerta Charone. Além disso, a decisão de cancelar um filme que já foi concluído ou quase concluído pode impactar negativamente a moral da equipe de produção e a percepção pública da marca.

Mudanças na Indústria Cinematográfica

Além dos benefícios fiscais imediatos, essa prática também reflete uma mudança estratégica na forma como os estúdios estão gerenciando seus portfólios de conteúdo. Com a crescente competição no mercado de streaming e as mudanças nos hábitos de consumo de mídia, as empresas de entretenimento estão cada vez mais focadas em otimizar seus lançamentos para maximizar o retorno sobre o investimento.

Durante os estágios iniciais dos serviços de streaming, os estúdios passaram a investir em uma quantidade muito maior de produções, buscando abocanhar a maior fatia possível do mercado.

No entanto, Charone observa que, nos últimos anos, “os estúdios estão se tornando mais seletivos sobre quais projetos recebem luz verde e quais são arquivados, baseando essas decisões não apenas na qualidade do conteúdo, mas também em considerações financeiras e de mercado.” Isso significa que filmes que podem não ter um forte apelo comercial ou que enfrentam concorrência intensa podem ser mais suscetíveis a serem cancelados para fins de dedução fiscal, independentemente de seu potencial criativo ou artístico. 

Reação da Comunidade

A reação da comunidade cinematográfica tem sido de indignação. Produtores, diretores e fãs expressaram seu descontentamento nas redes sociais, questionando a lógica de cancelar projetos completos que tinham potencial de sucesso. O cancelamento de “Coyote vs. Acme”, por exemplo, ocorreu apesar de o filme ter recebido boas avaliações nos testes de audiência. 

O Futuro da Estratégia

Apesar da controvérsia, a prática de cancelamento para fins fiscais pode se tornar mais comum, especialmente em tempos de incerteza econômica. Charone alerta que, embora legal, essa estratégia pode ter repercussões a longo prazo para a reputação dos estúdios e a confiança dos investidores.

“Ao optar por essas deduções fiscais, as empresas precisam equilibrar os benefícios imediatos com os potenciais danos à sua imagem e às relações com os talentos da indústria”, conclui Charone.

O uso de cancelamentos de filmes como estratégia de economia tributária representa um dilema complexo para Hollywood. Enquanto os estúdios podem colher benefícios fiscais, os impactos negativos na indústria cinematográfica são significativos. À medida que essa prática se torna mais comum, será crucial observar como os estúdios equilibrarão essas considerações e como a indústria como um todo responderá a essas mudanças.

Sobre o autor:

André Charone é contador, professor universitário, Mestre em Negócios Internacionais pela Must University (Flórida-EUA), possui MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela FGV (São Paulo – Brasil) e certificação internacional pela Universidade de Harvard (Massachusetts-EUA) e Disney Institute (Flórida-EUA).

É sócio do escritório Belconta – Belém Contabilidade e do Portal Neo Ensino, autor de livros e dezenas de artigos na área contábil, empresarial e educacional.

André lançou dois livros com o tema “Negócios de Nerd”, que na primeira versão vendeu mais de 10 mil exemplares. Os livros trazem lições de gestão e contabilidade, baseados em desenhos e ícones da cultura pop.

Instagram: @andrecharone